O ENIGMA DA ILHA DE PÁSCOA
As quase 900 grandes estátuas que povoam uma pequena ilha do Pacífico oriental remetem a uma pergunta inevitável: como um lugar tão isolado teria originado uma cultura capaz de fazer obras de tal porte?
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Esculturas na escosta do vulcão Rano Raraku, na Ilha de Páscoa: marca registrada desse ponto remoto do Pacífico (Foto: iStock) |
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O ahu Tongariki, devastado por um tsunami em 1960. (Foto: Ralf Hettler/iStock) |
Segundo o navegador, os nativos (entre os quais havia polinésios e indivíduos “de pele clara e cabelos vermelhos”) moravam em cabanas de palha e praticavam agricultura de subsistência. Em meio à paisagem, havia cerca de 900 estátuas de pedra vulcânica, algumas enormes, com 10 metros de altura e 80 toneladas de peso. Naturalmente, os habitantes daquela época não tinham condições de fazer tais obras.
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Moai com chapéu (pukao) e olhos (Foto: Sergey Korotkov/iStock) |
A expedição do explorador sueco Thor Heyerdahl à ilha, em 1956, descobriu milhares das ferramentas de pedra usadas na execução das peças. Outras dúvidas essenciais, porém, ainda não foram totalmente esclarecidas: por que e por quem as esculturas foram construídas, e como foram transportadas sem apresentar danos?
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Moai escavado no Rano Raraku pelo projeto Easter Island Statue Project (EISP), parceria entre cientistas americanos e chilenos (Foto: Divulgação) |
Incas e alienígenas
Já se falou que os escultores dos moais foram os incas e até extraterrestres. Mas o mais provável é que tenham sido mesmo os polinésios. Esse povo teria chegado à ilha no século 7 – provavelmente, o lendário grupo do rei Hotu Matua, emigrado de uma terra a oeste denominada “Hiva”. A suposição se baseia em certas semelhanças dos ahu (plataformas sagradas cuja parte central recebia os moais) e de algumas estátuas mais antigas com edificações similares encontradas em outras ilhas do Pacífico. A grande quantidade de moais e ahus em Páscoa, porém, indica que essas obras ganharam uma importância muito maior do que a de seus congêneres do oeste do Pacífico.
As estátuas não representariam deuses, mas dirigentes políticos e espirituais e figuras de antepassados, detentores de um poder sobrenatural (mana) que protegeria seus descendentes. Essa interpretação é reforçada pela descoberta de olhos dos moais numa das praias da ilha, feita pelo arqueólogo chileno Sergio Rapu em 1978. Quando encaixadas nos espaços destinados aos olhos, as réplicas, feitas de coral branco (representando a córnea) e lava vermelha (a íris), dão às estátuas um ar inequívoco de zelosos guardiões locais.
Todos os moais saíram de uma “oficina” na parte interna do vulcão Rano Raraku, supostamente por meio de um sistema de cabos. Já o transporte e a colocação nas plataformas são questões ainda não respondidas com exatidão. Para os nativos da ilha, o mana do rei era responsável por isso. Mais prático, o arqueólogo americano William Mulloy, da equipe de Heyerdahl, sugeriu que as peças eram colocadas de bruços sobre um trenó de base arredondada, que depois seria rolado, com o auxílio de cordas, por um caminho recoberto de ervas e canas.
Para explicar o passo seguinte, Mulloy desafiou um grupo de nativos a levantar uma estátua de 25 toneladas e depositá-la no local demarcado. Eles o fizeram utilizando uma plataforma de alvenaria sob o abdômen do moai e erguendo-o com o apoio de dois troncos com 5 metros de comprimento. A tática, porém, não foi eficiente: a estátua ficou bastante danificada.
Luta de classes
Por que a fabricação dessas esculturas teria sido interrompida? A hipótese de uma guerra interna é a mais plausível, mas aqui se entra na complicada mitologia local. As lendas falam de dois grupos – os hanau eepe (“homens robustos”), dominantes, e os hanau momoko (“homens magros”), mais antigos na ilha e socialmente inferiores. Em certa época, os hanau eepe teriam ordenado aos hanau momoko que recolhessem e amontoassem as pedras que recobriam o solo. Oprimidos por essa tarefa insana, os hanau momoko teriam se rebelado e, após algumas batalhas, destruíram seus senhores.
Essa ideia ganha um reforço quando se pensa que, no auge, a ilha abrigou uma população de 15 mil pessoas em meio a uma grande escassez de alimentos, agravada por uma progressiva devastação da flora nativa. Também se encontraram evidências de que houve antropofagia entre os ilhéus, supostamente nos períodos de convulsões internas. De qualquer modo, a fúria guerreira – entre duas castas, ou entre os clãs locais – parece ter sido responsável pela destruição dos ahus e das grandes estátuas, e pelo abandono do culto por elas representado.
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Inscrições em pedra na vila cerimonial de Orongo, no vulcão Rano Kau (Foto: Grafissimo/iStock) |
Problema similar ocorreu com as tábuas rongorongo, que continham a misteriosa escrita desenvolvida na ilha. Os primeiros missionários católicos que lá se instalaram consideraram as peças obra do demônio e as destruíram. Foram salvas apenas 26 delas, insuficientes para se decifrar os ideogramas. Mas as pesquisas ainda têm muito a evoluir.
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A praia de Anakena, onde os colonizadores polinésios aportaram (Foto: Judy Dillon/iStock) |
Enquanto os cientistas procuram soluções para esses mistérios, Páscoa permanece aberta e hospitaleira, mas zelosa quanto a seus segredos. Talvez não seja à toa que muitos visitantes costumam identificar nas estátuas uma expressão de ligeiro desdém, tal como se elas desafiassem os forasteiros a descobrir os enigmas que seu passado oculta.
Detalhes revistos
No livro Colapso, de 2005, o cientista americano Jared Diamond sintetizou a mais conhecida versão da derrocada da civilização pascoana: a degradação ambiental ligada à construção das estátuas teria devastado um ecossistema já frágil. Estudos mais recentes não anulam essa versão, mas impõem alguns reparos importantes a determinados detalhes.
No livro The Statues That Walked, de 2012, os antropólogos Terry Hunt e Carl Lipo, da Universidade do Havaí, afirmam que não há evidências de que os pascoanos destruíram totalmente as matas da ilha. A culpa maior seria dos ratos que vieram nos barcos dos colonizadores polinésios. Sem inimigos naturais, os roedores se multiplicaram e devoraram todo tipo de alimento, como sementes e frutos das árvores. A destruição teria avançado sobre 20 outros tipos de plantas, seis pássaros terrestres e espécies de aves marinhas.
Mas isso não teria esgotado as fontes alimentares locais. Segundo estudos citados pelo jornalista canadense J.B. MacKinnon no livro The Once and Future World, de 2013, os próprios ratos teriam virado um prato consumido na ilha. Com um detalhe: exames nas ossadas revelaram que o número de casos de desnutrição em Páscoa, no início do século 18, era proporcionalmente menor que o da Europa.
Outra antropóloga da Universidade do Havaí, Mara Mulrooney, diz que o desmatamento feito pelos pascoanos não estava ligado à produção de estátuas, mas à criação de campos para plantio de vegetais como batata-doce e cará. Usando datação por radiocarbono, Mara descobriu uma considerável atividade agrícola na ilha antes da vinda dos europeus. Se havia o que comer, por que a população da ilha encolheu tanto? Os cientistas não descartam guerras internas, mas para eles a redução ocorreu mesmo quando os europeus chegaram lá, trazendo doenças desconhecidas dos nativos.
Ao estilo inca
Todas as plataformas para estátuas da Ilha de Páscoa lembram similares encontrados em outras ilhas do Pacífico. A exceção é o ahu Vinapu, um dos maiores da ilha. As grandes pedras de basalto e a forma como foram encaixadas lembram muito a parede de pedra de Sacsayhuaman, obra dos incas na região de Cuzco. Para o sueco Thor Heyerdahl, a construção seria uma evidência da relação entre as duas culturas.
Por Júlio César Borges, Revista Planeta
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